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segunda-feira, 19 de maio de 2008

Sou do Ceará.

Ricardo Gondim


Ser do Ceará é mais do que nascer no Ceará, é conseguir reconhecer, à distância, uma cabecinha redonda, um sotaque cantado, uma orelha de abano, um jeito maroto de encarar a vida.

Ok!

Ser do Ceará é saber a estação certa de colher um sapoti, conhecer os vários tipos de manga e nunca comprar ata verde demais; é dar sabor a um baião de dois com queijo coalho.

Com certeza!

Ser do Ceará é gostar de cocada, de suco de tamarindo, de sirigüela vermelha, de água de coco docinha.

Mas como não?

Ser do Ceará é engolir o final dos diminutivos - cafezinho vira cafezim; Antônio vira Toim; bonzinho vira bonzim. Lá se fala aperreio na hora do sufoco; o apressado é avexado; o triste fica de lundu; quem cria problemas, bota boneco.

Sim, e também engolir o d do gerúndio, andando vira andano.

Ser do Ceará é morar onde os muros são baixos; quer dizer, lá todo mundo sabe dos outros. A melhor conversa entre cearense é fofocar sobre a vida alheia. Aparecer em coluna social é o máximo; os que pertencem a uma família com pedigree, fazem parte dos eleitos. Os Studarts, os Frotas, os Távoras, os Jeiressatis são considerados o supra-sumo.

E felizes são os que podem pular os muros baixos e ninguém dá conta, diga se não?

No Ceará não se compra casa do lado do sol; isto é, ninguém valoriza uma propriedade com a frente voltada para o poente. O sol não perdoa; é inclemente, ardido, feroz, cansativo. Lá quem não souber lidar com o astro rei, não dura muito tempo. Entre dez da manhã e cinco da tarde, o sol deixa todo mundo melado; não existem peles secas no Ceará, todas são oleosas.

Em outros lugares é mais uma questão de norte-sul, mas depois de 25 anos morando do lado do sol, rezando para a construção de um prédio em frente que trouxe-se sombra para a casa. Também economizando o dinnhêrim do hidratante!

Ser do Ceará é aprender a dormir de rede, a gostar do cheiro de lençol limpo, a tomar banho frio, a valorizar a brisa do mar. Lá o perfume de sabonete tem outro valor. No Ceará as mulheres não usam meias finas, os homens não toleram gravatas e as crianças não sabem o que é uma blusa de lã.

Só não gosto mesmo é do banho frio!!! Afê, morninho, só para quebrar o gelo, ta valendo?

Ser do Ceará é ter orgulho de afirmar que pertence à terra de José de Alencar, Patativa do Assaré, Fagner, Eleazar de Carvalho, Clóvis Bevilácqua. Lá amam-se as artes; cria-se repente com facilidade, conversa-se com rima.

E tantos outros ...

Ser do Ceará é lidar com umidade, com camisas molhadas de suor, com mofo, com moscas aos milhões, com muriçocas impertinentes, com baratas avantajadas, com viroses brabas, com desidratações súbitas. Lá os fracos morrem rapidamente; o darwinismo com sua teoria da sobrevivência dos mais fortes se prova com facilidade. No Ceará nuvens negras são prenúncio de bom tempo e relâmpago, uma bênção. Em dia chuvoso ninguém gosta de sair de casa.

E é por isso que lá, o Dia fica bonito para chover.

Ser do Ceará é rir por tudo. E tudo vira piada; lá sobra humor até para vaiar o sol quando interrompe a chuva. Os cearenses são antes de tudo uns fortes; ao mesmo tempo deliciosamente bons e perversamente maus. Lá é terra de pistoleiro e de santo; de revolucionário e de coronel caudilho; de guerreiro e de preguiçoso.

E todos carregamos um pouco de cada um.

Sou cearense. E por mais que tenha tentado, não consegui apagar o meu amor por esse chão que me acolheu no mundo. Lá nasci, casei e tive filhos. No Ceará despertei para o mundo e infelizmente, sepultei o restim de esperança que nutria pela humanidade. O Ceará foi o meu ninho e é o meu túmulo; maior alegria e pior desgraça.

Sou cearense e a distância me faz ver a terra com outros olhos. Lá fui preparada para o mundo e fico feliz sempre que vejo como tem cearense pelo mundo.

Contudo, apesar de tudo, continuo enamorado do meu berço. Não consigo desvencilhar-me de ti, loira desposada do sol.

Bom, vale um moreno de olhos cor de mel?

Encontrei o texto hoje e achei bem legal, não sei nem quem é o autor, os meus comentários estão em "encarnado".

Um comentário:

Laila disse...

Afff..e eu que continuo aqui, sigo sonhando com a construção do prédio em frente a casa...mais ainda quando saio todo dias as duas da tarde com aquele sol de rachar o "quengo" pra ir trabalhar...banho morninho qnd amanhece bonito pra chover e a água do chuveiro tá gelaaaada, agora...banho frio pra acabar com o calorzão é bom demais!!! ;D