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sexta-feira, 9 de abril de 2010

A primeira impressão

Um dos livros de que mais gosto é Equador, do Miguel Sousa Tavares. Li já aqui em Cabo Verde, devorei suas mais de quinhentas páginas em coisa de dois dias. Os outros livros do autor não li, João achou o Rio das Flores muito aquém do grande hit do autor. Por sinal, o proprio Miguel confessa que escreveu o livro meio que na marra, bom ... mas não era sobre isso que queria escrever, na verdade é sobre um outro livro dele, uma do qual nunca havia ouvido falar, o SUL Viagens. Pois ontem, fui a livraria sozinha e aproveitei para me deixar levar pelos livros, curiei mesmo e me deparei com o livro, só o fato de ser um relato de viagem já começa ganhando pontos comigo, ai li as orelhas e pronto, tinha que comprar. A melhor parte é a que segue:

«Uma das pessoas que me ensinou a viajar foi a minha mãe. Ensinou-mo com uma simples frase. A única vez que viajámos juntos fomos a Roma. Estávamos sentados uma tarde na Piazza Navona, o seu local preferido de Roma. Ela bebia um dos seus inúmeros chás diários e há mais de uma hora que ali estávamos, sentados a contemplar a beleza perfeita da praça, enquanto fumávamos vários cigarros(...) Mas estávamos ali há demasiado tempo, era a primeira vez que vinha a Roma e tinha, logicamente, alguma pressa de seguir caminho e ver outras coisas. Sentindo a minha impaciência, a minha mãe disse-me: "Miguel, viajar é olhar." Até hoje, fiquei sempre cativo desta frase e do que ela implica e compromete o verdadeiro viajante."

Bom, a noite, já deitada decidi dar uma olhadela no livro e parei para ler o relato de uma viagem feita a Cabo Verde, em setembro de 1995, quando o país comemorava os 20 anos de independência e se via as turras com uma epidemia de cólera. Não era a primeira vez que Miguel vinha ao Cabo Verde, ele visitara o país dez anos antes e pelo visto muita coisa mudou naquela década. Mas uma parte do relato me chamou a atenção, 15 anos depois, foi extamente essa a primeira impressão que tive da cidade.

" Em dez anos, a Praia cresceu de 20 mil para 80 mil habitantes. Sem planejamento, sem infra-estruturas, sem esgotos ou água canalizada, sem nenhuma preocupação arquitetonica. Bairros inteiros surgem na terra seca, antes mesmo de haver ruas, cada um construiu como quis e onde quis. Pior ainda, como se vê ao longo de toda a ilha, eles, de fato não construiram: vão construindo, á meidade das suas posses. A cidade transformou-se assim num amontoado de casas inacabadas, de tijolo e argamassa, com telhados de zinco, sem pinturas e, as vezes, sem janelas e sem vidros nas janelas"


Nesses 15 anos, a população da Praia passou de 80 mil para mais de 120 mil habitantes. É verdade que a infraestrutura melhorou, mas água e esgoto na cidade ainda não é para todos e nem falar na qualidade do serviço. Hoje, já se percebe um planejamento da cidade, há ruas onde ainda não há casas e já não se constroi onde e como se quer, mas fica claro o impacto dos tempos do crescimento desordenado. Uma coisa não mudou: a cidade ainda é um amontoado de casas inacabadas, uma paredão cinza que se mistura com a terra seca. Isso é algo é não consigo ignorar nem consigo deixar de reparar, claro que sei que falta o dinheiro para o acabamento até entre a classe média, sei que muitas dessas casas inacabadas são de emigrados que sofrem com a crise economica nos EUA ou na Europa. Para além da parte estética, penso na saúde pública e nos inumeros focos de mosquito (Dengue e Malária), dos ovos de aedes que estão a espera da chuva ou qualquer outra água para eclodirem. Do lixo que se acumula, da segurança pública. São tantas coisas ...

O relato sobre Cabo Verde é breve, mas deixa claro que o país e seu povo causaram boa impressão ao escritor e jornalista. Além de Santiago ele fala sobre São Vicente e Sal e percebeu bem as diferenças entre as ilhas e suas gentes. Hoje, espero ler o trecho referente ao Ceará e ao Rio Grande do Norte, li uns parágrafos saltados e bom, confesso que achei meio deslumbrado, exagerado. Depois eu conto o que achei.

A foto foi tirada em outubro do ano passado, quando ainda chovia e a cidade estava verde.

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